Clair Obscur: Expedition 33 é um jogo que não prometeu muito, mas trouxe um folego novo para o gênero de RPGs por turno. Desenvolvido pela Sandfall Interactive, um estúdio francês formado por veteranos da indústria, o jogo traz uma narrativa competente e um sistema de combate preciso e funcional.
A história e o mundo de Clair Obscur
O jogo se passa na cidade de Lumière, que é uma versão alternativa de Paris. A trama gira em torno da Artífice, uma figura colossal que, uma vez por ano, pinta um número em um monólito. Esse número determina a idade das pessoas que desaparecerão, criando uma atmosfera de desespero e urgência. O jogador controla um grupo de expedicionários que busca derrotar a Artífice e acabar com essa maldição.
A narrativa é profunda e cheia de pontos chave, mantendo o jogador preso, no bom sentido, do início ao fim. O jogo não apenas apresenta uma ameaça apocalíptica, mas também explora as histórias pessoais dos personagens, tornando a experiência ainda mais rica e, por vezes, pesada.
Sistema de combate
Se muitos RPGs modernos apostam em ação frenética, Clair Obscur faz da paciência sua maior virtude. O sistema de combate exige timing cirúrgico: ataques especiais só funcionam se executados em janelas específicas, esquivas consomem pontos de stamina limitados, e até curar um aliado demanda precisão (um erro de segundos pode transformar um golpe de cura em um desperdício de recursos).
A profundidade estratégica está nos detalhes. Inimigos têm padrões de ataque que variam conforme sua saúde: um chefão, por exemplo, pode alternar entre ataques em área e golpes únicos devastadores quando está perto da morte. Para vencer, é essencial observar, adaptar e, acima de tudo, aprender com os erros. A sensação de derrotar um adversário após múltiplas tentativas é comparável à satisfação de resolver um enigma complexo: exige esforço, mas a recompensa é proporcional.
Design e estética
O visual de Clair Obscur é uma contradição deliberada. Cenários são pintados com tons pastel e dourados, lembrando pinturas impressionistas, mas escondem criaturas que parecem saídas de pesadelos lovecraftianos. Um dos monstros mais memoráveis é a Dama das Sombras, uma figura esguia com membros alongados e um vestido feito de fumaça, cujos movimentos lembram dança macabra. Até os ambientes "seguros", como tavernas ou mercados, são permeados por uma melancolia sutil, com vitrais quebrados que filtram a luz do sol e risadas de NPCs soando abafadas, como se o medo estivesse sempre à espreita.
Trilha sonora
A música de Clair Obscur é um personagem por si só. Composições do francês Émile Roche (conhecido por trabalhos em A Plague Tale: Innocence) alternam entre melancolia e frenesi. Nas ruas de Lumière, saxofones suaves e pianos minimalistas criam um clima de introspecção. Já nas batalhas contra chefes, guitarras distorcidas e batidas de bateria aceleradas elevam a tensão a níveis quase insuportáveis.
Um momento emblemático ocorre durante os confrontos mais avançados: a trilha funde um coral gregoriano com sintetizadores, simbolizando o embate entre o místico e o tecnológico que define o jogo. É raro uma trilha sonora conseguir encapsular tão bem a essência de uma história.
Clair Obscur: Expedition 33 poderia ser apenas "mais um RPG por turno". Em vez disso, ele se torna uma lição de como narrativa, jogabilidade e arte podem se entrelaçar para criar algo maior que a soma das partes. Não é perfeito — alguns capítulos intermediários arrastam-se, e a curva de dificuldade pode assustar iniciantes —, mas seus acertos são tão memoráveis que os defeitos parecem secundários.
Para fãs do gênero, é uma obrigação. Para céticos, é uma surpresa que desafia preconceitos. E para a indústria, é um lembrete: mesmo em um gênero saturado, ainda há espaço para histórias que misturem poesia e horror, estratégia e emoção.
Postar um comentário